Senti de repente uma coisa parecida com ternura por este homem. Senti nele a ternura que se sente pela comum vulgaridade humana, pelo banal cotidiano do chefe de família que vi no trabalho, pelo lar humilde e alegre dele, pelos prazeres alegres e tristes de que forçosamente se compõe sua vida, pela inocência de viver sem analisar, pela naturalidade animal daquelas costas vestidas.
(até aqui, são palavras de Bernardo Soares, d'O livro do Desassossego. Daqui por diante, são palavras minhas)
Talvez estivesse indo para a casa depois de um dia cansado de trabalho. O ritmo peculiar e faceto poderia representar a vontade de ver a mulher e os filhos, contar que foi promovido ou que recebeu algum elogio do chefe.
Minha curiosidade surgiu justamente pelo fato de eu ter adquirido uma terna admiração por aquelas costas no terno azul marinho, no guarda-chuva cinza-triste que o acompanhava e batia no chão a cada pisar esquerdo. A pasta era meio velha, aspecto de pesada e ele a levava embaixo do braço - agora - direito, num apreço imensurável, como se carregasse a coisa mais valiosa do mundo ali: em suas mãos. Talvez dinheiro, talvez um convite, talvez um exame.
Não deu para ver o rosto, mas apostaria que carregava um semblante calmo, ao mesmo tempo cansado, feliz e ansioso pela chegada aonde quer que fosse.
Eu o segui até quando o vi entrar numa casinha cor de creme, daquelas antigas, sem garagem, número 18. A cor das paredes já meio descascada. Um toldo verde musgo por cima das duas janelas e uma luz amarela acesa na janela direita.
De modo que ia chegando perto dessa casa, notei que o passo apertava, as pernas pareciam mais "duras"; por não conseguir acompanhar o guarda-chuva com o caminhar, parou de batê-lo na calçada e o colocou junto da pasta. Tirou o chapéu da cabeça, trouxe-o junto ao peito. Parou repentinamente em frente à porta que entraria, olho-a como um todo e entrou. Ali terminava a minha saga.
Por Bernardo e Talita