sexta-feira, abril 23, 2010

Dos amores que tive - Parte I

Dos amores que tive me lembro do Juninho um ano mais velho. Eu tinha uns três, quatro anos, morava ainda em Américo Brasiliense. Pra te falar a verdade, eu não sei do que eu gostava mais nele, se era do brinquedo – que ele nunca me deixava brincar – em forma de escada rolante, funcionando a pilha com uns pingüins que subiam e desciam e faziam meus olhos brilharem fascinados; dos carrinhos em miniatura, principalmente o amarelo mais brilhante que um dia eu peguei escondido; ou ainda dos cabelos dourados em formato de tigela que brilhavam na luz do sol. Adorava brincar de princesa, só para a bruxa me congelar e ele ter que me dar um beijo na testa, rápido e tímido, para assim, eu voltar pro meu castelo. Mas ele era um ano mais velho que eu; ele queria saber de brincar de guerreiro-valente com uma espada que brilhava. Daí então, eu me interessei pelo Ricardo, morava do lado de casa, não tão bonito quanto o Juninho, mas vivia pegando na minha mão. Além do mais, ele me deixava brincar no Nintendo, naquele joguinho que ia matando os patinhos. Não durou muito tempo, tive que vir pra Jaú.

Fui morar com a avó, e na rua da casa dela tinha o João Paulo e os irmãos Gui e Wilian. O João Paulo era bem mais velho, uns três anos, não se interessava em falar com meninas mais novas. Ele queria jogar futebol e video-game e, por eu brincar com a irmã dele, vivia me chamando de pirralha e "rechonchuda". Já o Gui era gordinho, um ano mais velho, sempre me dava atenção. Emprestava a bicicleta, me empurrava no skate, me ensinou a jogar bolinha de gude, me dava chocolate. Só que eu me interessava mesmo era pelo Wilian, mais alto, mais velho, mais loiro e um par de olhos azuis que eu achava lindo, e mais tímido. Mudaram-se de casa.

Depois vieram os amores de colégio. Ah, o Victor... achei que nunca iria esquecer aquele garoto de nariz fininho, bem branquinho, com umas pintinhas no rosto. Vivia me atazanando a vida, sentava perto de mim só pra poder puxar meu cabelo. E ainda por cima, tinha a cara de pau de dizer que era pra ficar com o cheiro do meu cabelo nas mãos. Esses dias eu descobri que era realmente verdade. Passei tempos encantada pelo Victor, escrevia o nome dele nos cadernos, dentro de corações com flechas, visitava a família, o chamava para as festinhas de aniversário... e quando ele ia, eu quase surtava; colocava a roupa mais bonita, o batom que eu mais gostava e me mantinha toda faceira no meio das meninas a fim que ele me notasse. Ele notava de fato, mas eu nunca soube.

Gostei do Victor até a 3ª série, foi quando eu mudei de período e ele, de cidade. Na 3ª série então me deparei com um bem mais velho, já do “ginásio”; exalando 5ª série. Ruivinho, alto, magro e todo sério. O Pedro me fez escrever cartas de amor, me fez segui-lo pelos intervalos só pra passar diante ou do lado dele, pra esbarrar uma vez ou outra. E quando ele me olhava e "sorria", ainda que risse de mim, eu não podia acreditar, considerava, então, o maior presente da década. As meninas entregavam cartas que eu não tinha coragem de entregar, ele diz, inclusive, que as possui até hoje. Sofri por não ser correspondida até a minha 5ª série e 8ª série dele, quando ele mudou de colégio. Na 6ª serie, dei meu primeiro beijo e jurei pra mim que não iria mais gostar de ninguém devido ao trauma que foi.

Mas, no fim do mesmo ano, quando mudei de colégio, conheci o Johnny. Moreno, alto, bonito e sensual. Ele entraria pro primeiro colegial da escola nova, amigo do Lucrinha, que ficava com a Bruna e era minha melhor amiga. Foi com quem eu fui a primeira vez ao cinema de casalzinho, com quem eu passava horas no telefone, quem eu morria de saudade. Quando o cruzava nos intervalos da escola era a coisa mais gostosa que tinha, coração acelerava, mãos suavam e, nossa! Eu queria namorar aquele rapaz. Até o dia em que ele se engraçou com uma menina mais velha, a Thais, uma loira linda. Foi até compreensível, mas passei a minha sétima série inteira pensando no tal do Johnny.

sexta-feira, abril 09, 2010

Descendo hoje a Rua Nova do Almada, reparei de repente nas costas do homem que descia diante de mim. Eram as costas vulgares de um homem qualquer, o casaco de um fato modesto num dorso de transeunte ocasional. Levava uma pasta velha debaixo do braço esquerdo, e punha no chão, ao ritmo do andando, um guarda-chuva enrolado, que trazia pela curva da mão direita.

Senti de repente uma coisa parecida com ternura por este homem. Senti nele a ternura que se sente pela comum vulgaridade humana, pelo banal cotidiano do chefe de família que vi no trabalho, pelo lar humilde e alegre dele, pelos prazeres alegres e tristes de que forçosamente se compõe sua vida, pela inocência de viver sem analisar, pela naturalidade animal daquelas costas vestidas.

(até aqui, são palavras de Bernardo Soares, d'O livro do Desassossego. Daqui por diante, são palavras minhas)

Talvez estivesse indo para a casa depois de um dia cansado de trabalho. O ritmo peculiar e faceto poderia representar a vontade de ver a mulher e os filhos, contar que foi promovido ou que recebeu algum elogio do chefe.

Minha curiosidade surgiu justamente pelo fato de eu ter adquirido uma terna admiração por aquelas costas no terno azul marinho, no guarda-chuva cinza-triste que o acompanhava e batia no chão a cada pisar esquerdo. A pasta era meio velha, aspecto de pesada e ele a levava embaixo do braço - agora - direito, num apreço imensurável, como se carregasse a coisa mais valiosa do mundo ali: em suas mãos. Talvez dinheiro, talvez um convite, talvez um exame.

Não deu para ver o rosto, mas apostaria que carregava um semblante calmo, ao mesmo tempo cansado, feliz e ansioso pela chegada aonde quer que fosse.
Eu o segui até quando o vi entrar numa casinha cor de creme, daquelas antigas, sem garagem, número 18. A cor das paredes já meio descascada. Um toldo verde musgo por cima das duas janelas e uma luz amarela acesa na janela direita.

De modo que ia chegando perto dessa casa, notei que o passo apertava, as pernas pareciam mais "duras"; por não conseguir acompanhar o guarda-chuva com o caminhar, parou de batê-lo na calçada e o colocou junto da pasta. Tirou o chapéu da cabeça, trouxe-o junto ao peito. Parou repentinamente em frente à porta que entraria, olho-a como um todo e entrou. Ali terminava a minha saga.

Por Bernardo e Talita

O inerente da civilização

A fim de iniciar qualquer discussão sobre corrupção, e o quão ferido fica o pobre depois de ter seus serviços básicos minados, o que alimenta a desigualdade e injustiça, principalmente, senão somente, na camada social desprovida financeiramente, é necessário analisar que o mundo – não restringindo pros dias de hoje – necessita do paradoxo.

No século 19, Marx; sem vivenciar a Grande Guerra, Hitler, Guerra Fria, Depressão Econômica, Neil Armstrong; observara que a história sempre se desenvolveu no quadro de um antagonismo, sendo homens livres e escravos, na Antiguidade; senhores e servos, na Idade Média; burguesia e proletariado, nos tempos modernos.

Sendo assim, fica claro que é inevitável toda a desigualdade do capitalismo. E que alguns precisam perder para outros ganharem, mantendo o equilíbrio preciso para o sistema vigente. O que leva alguns a arranjarem um meio, ainda que recriminável, para conseguir o que anseiam, seja por necessidade, seja por vaidade ou ostentação.

Considerando que corrupção não é aquela que gira em torno só das três esferas do poder (legislativo, judiciário e executivo), presencia-se, portanto, em qualquer ato que esteja proposto em favorecer um, enquanto prejudica outro, também em desvios de recursos, sonegação de impostos, entre outros; fazendo com que se torne intrínseco ao indivíduo o ato de corromper-se, o que não oferece integridade moral e plena ao povo quando esse não permite a corrupção inerente à civilização. Pode-se, ao menos, desejar um país menos corrupto; e o meio mais sensato para isso, ocasiona-se quando parte de cada um a iniciativa de melhora.

Por Talita